Maloca Sitiada – Poemas de Bruno Bulcão

Bruno, além de demonstrar seu talento na composição das toadas do Boi Garantido, destaca-se pelo forte engajamento na preservação da memória, da resistência e da identidade dos povos da floresta. Maloca Sitiada é um grito de denúncia e lamento, mas também de esperança. Nele, a dor da perda territorial e cultural se entrelaça com a afirmação da ancestralidade e da profunda conexão espiritual com a terra.

(Poema)

MALOCA SITIADA

Teus olhos vermelhos, tua dor estampada em teu rosto
Marcando tua alma em batalha, em gotas de lágrimas roladas
Transcendem além do tempo, ainda habitam em meu pensamento
Do que se perdeu num instante, agora é lembrança de um tempo distante
Ficou pra trás, não voltam mais.

A mata se fecha em cada passada ao relento
Descansa em teu sono profundo, verdejantes folhas sagradas
A história, a memória, um abismo em minha trajetória
Do que se perdeu num instante
Agora é lembrança de um tempo distante
Ficou pra traz, não voltam mais.

Sou filho do Mato, o ser da floresta
Lutar pela vida é o que me resta
A minha insistência, por sobrevivência
E difícil de compreender.

Lutei pela terra, Lutei pela mata
Lutei pela flecha, Lutei pela taba
Enquanto houver esperança
A força e a fé há de prevalecer.

Sou da tribo isolada, Sou maloca sitiada
Saqueada, extinta, Caçada, sangrada
Explorada, vestida a força descatequisada
Sofrendo exílio em terras demarcadas.

Restam pouco ou quase nada
Dos milhões que já lutaram
Éramos grandes, palácios gigantes
De palhas constantes.
Em meio ao terreiro derramaram sangue
Destruindo a vida dos filhos
Da terra da mata e dos rios.

Entre as ruínas do eldorado
Sem arco e flecha e tacape nas mãos
Nem meu corpo escarificado
Acorrentado ou chicoteado
A única arma que tenho
É minha oração

E como tudo que já foi dito antes,
Meras palavras de um peso morto
Mão de obra barata, um passado irrelevante
Apenas lembranças de um tempo distante
Que ficou pra trás
Não voltam mais.

O meu canto sucumbiu.

Sobre o Autor

Bruno Bulcão Castro, 36 anos, é natural de Parintins (AM). Licenciado em Matemática e pós-graduado no Ensino da Matemática pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), é também compositor e poeta, com forte ligação à cultura popular amazônica.
Sua paixão pela escrita e pela música foi inspirada por seus avós: a avó, professora de matemática, e o avô, compositor do Boi-Bumbá Garantido e poeta repentista autodidata. Essa herança cultural se reflete em sua produção artística, que transita entre o lirismo poético e a musicalidade das toadas.
Bruno possui composições de destaque no Festival Folclórico de Parintins, como “Meu Nome é Povão” (2019) e “Devaneio”, inspirada no livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa Yanomami. Em 2024, alcançou grande sucesso com a toada “Perreché da Puraçá”, que ultrapassou 1 milhão de execuções no Spotify em menos de um ano, consolidando-se como a mais tocada da temporada.
Como poeta, foi finalista do 1º Concurso de Poesia Jovem Thiago de Mello (2024) com o poema “Morre um Poeta e Nasce uma Estrela”, evidenciando sua versatilidade entre a palavra escrita e a composição musical.