A Mala das lembranças de Yessica Torres

Yessica se manifesta através de uma narrativa profundamente emocional que retrata a experiência de migração do ponto de vista de uma criança. A escrita sensível e intimista configura um relato que evidencia as dificuldades enfrentadas por quem necessitou deixar seu país

A Mala Das Lembranças

“Hoje é um dia importante”, disse mamãe com um sorriso que parecia um pouco triste. Mas, para mim, era apenas mais um dia qualquer. Todos andavam de um lado para o outro, colocando coisas em caixas e sacolas. Mamãe preparou para mim uma caixinha que chamava de mala. Disse que nela guardaríamos as coisas que não podiam ficar para trás. Mas eu não entendia como algo tão pequeno poderia caber minha caminha, meu quarto… ou minha vovó. 

Quando fui ver o que todos estavam fazendo, percebi que estavam muito tristes. Até mesmo papai, que nunca chorava, tinha os olhos vermelhos. Eu não entendia o que estava acontecendo. Se mamãe disse que íamos para um lugar melhor, onde eu teria um grande futuro, por que todos estavam tão tristes? 

Naquela noite, subimos em um ônibus bem grande. Apesar do frio e da viagem tão cansativo, os abraços de mamãe me fizeram sentir um pouco melhor. Adormeci com a cabeça apoiada no braço dela, sonhando com minha caminha e minha casa. 

Ao chegar, tudo era diferente. As ruas não eram como as que eu conhecia, e as pessoas falavam de um jeito estranho. Eu não entendia o que diziam. Olhei para mamãe e perguntei: “O que eles estão dizendo?” 

“É outro idioma”, ela explicou. “Muito em breve, você também vai aprender.” 

Outro idioma? Como eu poderia aprender isso? Não queria parar de falar do jeito que falo. E se minha vovó não me entender depois? E se eu esquecer? Fiquei com muito medo. 

Procurei na minha mala o meu ursinho Teddy, aquele que meu vovô me deu. Queria abraçá-lo e sentir seu cheiro, aquele cheiro que me lembrava de casa. Mas não era suficiente. Eu queria minha cama, meus brinquedos, meu carrinho… Por que mamãe não colocou na mala o que era importante para mim? 

Mamãe e papai andavam de um lado para o outro, conversando com pessoas que eu não conhecia. Eu estava com sono, fome e frio. “Por que disseram que aqui estaríamos melhor?”, pensei. “Eu só quero minha casinha. Não quero essa mala. Quero voltar para o meu lar.” 

Depois de um tempo, mamãe se sentou ao meu lado e me abraçou. “Sabe de uma coisa?”, ela disse. “As coisas mais importantes não cabem em uma mala.” 

“Como o quê?”, perguntei, ainda com lágrimas nos olhos. 

“Como as lembranças, os abraços, os cheiros que você ama… Tudo isso você carrega aqui”, disse ela, tocando meu peito. 

Fiquei pensando nisso. Naquela noite, adormeci abraçando o Teddy e, por um momento, me pareceu que ele tinha cheiro de casa. 

Nos dias seguintes, as coisas continuaram estranhas, mas um pouco menos a cada dia. A comida tinha um gosto diferente, até a água era diferente. Mamãe me disse que tudo fazia parte de uma nova experiência. Mas há dias em que não quero novas experiências, só

quero minha cama, meu quarto e um abraço da minha vovó. Mesmo vendo ela nas chamadas de vídeo, não é a mesma coisa. Eu só quero estar no meu lar. 

Às vezes gosto de estar aqui, como no dia em que papai nos levou a um parque novo e brincamos juntos. Mas há dias em que choro porque sinto falta da minha antiga casa. Esta não se parece em nada com ela. Mamãe diz que essas mudanças, embora difíceis agora, vão se tornar lembranças, e que logo estaremos melhor. 

Tenho muitas perguntas sobre este novo lugar. Espero que na escola tenha muitas crianças com quem brincar e que minha professora fale muito divagado para que eu possa entender. Enquanto isso, levo meu antigo lar no coração, como um tesouro que ninguém pode me tirar. Talvez, um dia, eu possa chamar este lugar de meu novo lar.

Sobre a Autora

Yessica Torres (1989) é engenheira química de formação e escritora por paixão. Nascida na Venezuela, migrou para o Brasil em 2022, buscando uma vida melhor para sua família. Mãe de quatro filhos, encontrou na escrita uma forma de expressar emoções e auxiliar no processo de adaptação dos pequenos a um novo país, idioma e cultura.

Seu conto A Mala das Lembranças apresenta a experiência da migração e os desafios emocionais enfrentados por crianças nesse processo. Através de sua literatura, busca sensibilizar a sociedade para a importância do acolhimento e da empatia com migrantes.

Em 2024, foi finalista do Prêmio de Poesia Jovem Thiago de Mello organizado pela Revista Rio Negro.